Uso de bicicletas e patinetes por empregados traz riscos às empresas
Solução encontrada para escapar do trânsito caótico das grandes capitais e incentivar a vida saudável, o uso de bicicletas e patinetes por trabalhadores pode se tornar uma dor de cabeça para as empresas. Seja para ir e voltar do emprego ou durante a jornada para se deslocar a uma reunião. O sinal de alerta soou com a revogação das penalidades previstas para infrações cometidas por ciclistas no Código de Trânsito Brasileiro. A medida aumenta o perigo de acidentes, elevando o risco de responsabilização e pagamento de indenização por empregadores.
A possibilidade de aplicação de multas a ciclistas acabou no início de março, por meio da Resolução nº 772, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran). A edição da norma veio três meses depois de o governo paulista publicar o Decreto nº 63.881, que regulamentou o Plano Cicloviário do Estado de São Paulo para a expansão e conectividade da rede de ciclovias e ciclofaixas.
A resolução também foi editada em um momento em que há crescimento no número de acidentes fatais com bicicletas. Em 2018, de acordo com o Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo, foram registrados 393. Em 2015, 301. Só em janeiro e fevereiro deste ano foram 58. Não há dados sobre patinetes – que podem trafegar em ciclovias e ciclofaixas com velocidade de até 20 Km/h.
O advogado Fabio Medeiros, do escritório Lobo de Rizzo, estranhou a revogação das multas pelo Contran. “A norma era uma regra mínima para ciclistas e quem anda de patinetes”, diz. Ele lembra que em caso de acidente durante uma visita a um cliente, por exemplo, a responsabilidade será do empregador. “O funcionário usará mais o plano de saúde corporativo e ainda ficará com a garantia de emprego por um ano.”
Segundo Medeiros, especialista em direito previdenciário, as consultas de empresas a respeito de como lidar com a nova prática ainda são poucas, mas começaram. “As empresas não podem proibir o uso desses modais, mas os funcionários têm que ser treinados e saber o que fazer em caso de atropelamento de um pedestre, por exemplo”, afirma. Para ele, pelo menos algumas regras para o uso de bicicletas e patinetes durante a jornada de trabalho podem ser combinadas por meio de uma política da empresa.
“A questão é tão nova que ainda não chegou para a gente, mas certamente vai chegar”, diz o procurador Marcelo Freire Sampaio Costa, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo. De acordo com ele, se o veículo é fornecido pela empresa, seu uso está obviamente ligado à relação de trabalho e, assim, a responsabilidade por um eventual acidente é do empregador. “Mas a culpa pode ser exclusiva do empregado em situações específicas. Se ele andar sem capacete, por exemplo, em plena Marginal Pinheiros”, acrescenta.
Se a empresa achar arriscado, pode impedir o uso de bicicleta e patinete e obrigar o funcionário a pegar o transporte público tradicional, segundo a advogada Juliana Bracks, do escritório Bracks Advogados Associados. “A justificativa pode ser o risco no entorno da região, o horário de entrada ou saída do trabalhador, ou mesmo a quantidade de acidentes na região”, diz.
Juliana afirma ainda que se o trabalhador pediu vale-transporte e se acidentar com o uso de patinete ou bicicleta para ir ou voltar do trabalho, pode ser acusado de fraude. “Mas se não receber o vale-transporte, será caracterizado acidente de trajeto. A reforma trabalhista excluiu da legislação as horas in itinere [deslocamento], mas não o acidente de trajeto”, diz.
A especialista em direito do trabalho explica que o acidente de trajeto não gera responsabilidade civil para as companhias – o que as levariam a ter que arcar com indenização por danos causados a terceiros. “A não ser que a empresa ofereça o meio de transporte para o trabalhador, como um ônibus fretado.” Porém, ela confirma o impacto previdenciário. “Se o funcionário ficar mais de 15 dias afastado, deve receber o auxílio acidentário e tem 12 meses de estabilidade no emprego, a contar da alta médica.”
É o que indicam as poucas decisões judiciais sobre o assunto. Em outubro, por exemplo, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região (São Paulo) analisou o caso de um trabalhador que, ao voltar para casa, após cumprir jornada de trabalho da 1h às 7h, sofreu uma queda da bicicleta. “Não há culpa da empregadora no acidente, ainda que este tenha decorrido do trajeto de ida e volta para a empresa”, disse a desembargadora Sônia Maria Forster do Amaral.
Segundo a magistrada, com base na Lei nº 8.213, de 1991, a equiparação do acidente de trajeto com o de trabalho é restrita para a concessão dos benefícios previdenciários, não alcançando os direitos e obrigações entre empregados e empresa. Há decisões favoráveis e contrárias aos trabalhadores, mas não foram encontrados precedentes judiciais referentes a patinetes.
Para garantir a segurança de usuários de patinetes, a empresa de sistemas de compartilhamento desses modais Tembici conta com promotores para demonstrar a importância do uso do capacete – que também é oferecido. “No próprio patinete há um cartão impresso com dicas de segurança”, afirma a empresa por nota. A Tembici conta ainda com uma seguradora que protege a empresa e seus usuários em casos de danos materiais e corporais causados a terceiros.
“Eu mesmo vou para reuniões de bicicleta e conheço outros advogados que usam”, afirma o advogado trabalhista Daniel Chiode, do escritório Chiode Minicucci. Para ele, se o acidente acontece durante o horário de trabalho e a empresa não tem uma política para restringir o uso desse tipo de transporte nem fornece equipamentos de proteção, pode ser responsabilizada. “O risco é presumido”, diz.
Chiode afirma que já recebeu consultas de empresas para saber se proíbem ou toleram o uso desses veículos. “Para se protegerem, as empresas têm que ser mais ativas, fornecer equipamentos de proteção e orientar sobre os riscos”, afirma. “Ou podem determinar que vá de táxi [para uma reunião]. Se o empregado optar por usar outro meio de transporte, o empregador estará isento de responsabilidade.”
Laura Ignacio – São Paulo
Fonte: AASP