O direito ao nome e os limites na intervenção do Estado diante da escolha

Em 18 de janeiro deste ano, na cidade de Botucatu (SP), nascia o Macaulay Culkin brasileiro. O pai, Kaique Ferreira Machado, de 23 anos, quis homenagear o ator, conhecido pelos filmes “Meu primeiro amor” e “Esqueceram de mim”, de quem sempre foi fã. 

“Eu sempre quis ter um filho com o nome de Macaulay. Sempre gostei do nome Macaulay , e também sou super fã do ator Macaulay Culkin, minha intenção não era colocar o Culkin, mas ela (a mãe) queria o Culkin. Mulher sempre vence”, conta, em entrevista ao Boletim Informativo do IBDFAM. 

Kaique revela que, no trabalho, os colegas ainda estranham a escolha do nome Macaulay Culkin Pires Machado, mas ele não se importa. “Os meninos onde eu trabalho ainda não acreditam que eu coloquei o nome dele de Macaulay, eles estão sempre brincando em relação a isso, bullying eu não me incomodo”, diz. 

O pai afirma que o oficial de registro não fez nenhuma observação quanto ao nome escolhido, apenas registrou a criança. “Não comentou nada, apenas preenchi o papel colocando o nome dele por inteiro, o meu maior medo era errar o nome dele”, comenta. 

Pedidos de alteração de nome 

Segundo a tabeliã Letícia Maculan, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), não há uma estatística sobre o número de pessoas que solicitam a retificação de registro em razão de ter um nome constrangedor. Mas todos os dias se tem notícia de decisões deferindo o pedido de alteração de nomes. 

Ela explica que é possível alterar o nome judicialmente, bastando que seja demonstrado pela pessoa o efetivo sofrimento derivado de possuir aquele nome. “Atualmente, é necessário que a pessoa apresente uma ação judicial cujo objeto é alterar o seu nome, juntando provas das situações constrangedoras, se possível”, diz. 

Análise de prenome 

Letícia Maculan explica que, de acordo com a Lei de Registros Públicos, o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais não registrará nomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. E como o “ridículo” é algo muito subjetivo, a doutrina esclarece algumas hipóteses, que a tabeliã aponta e comenta. São elas: 

1) nomes que não observem o gênero da criança a ser registrada ou causem dúvida quanto ao gênero; 

2) nomes cuja redação não observa as regras da língua portuguesa; 

3) nomes estrangeiros com grafia incorreta de acordo com a língua respectiva; 

4) nome inexistente, inventado, que cause estranheza; 

5) nome estrangeiro de difícil pronúncia e grafia em português; 

6) prenomes que a história denegriu (como “Hitler”) ou ligados a entidades maléficas (como “Satan”) ou nomes de monstros (como “Frankenstein”); 

7) nomes de produtos comerciais (como Delícia Cremosa ou Novalgina); 

8) nomes completos de celebridades (para homenagear uma pessoa famosa os pais, muitas vezes, querem atribuir à criança o nome completo da celebridade, como “Vinícius de Moraes”, “Ruy Barbosa”, “Ivete Sangalo” ou “Alain Delon”, o que não pode ser admitido, pois sobrenomes são nomes de família, não podem ser concedidos a pessoas fora da família); 

9) nome completo, considerando o prenome bem como o sobrenome, que tenha sonoridade que traga o ridículo (como Kumio Tanaka; Caio Rolando Ladeira; Amando Alceu Homem; Jacinto Leite Aquino Rego). 

Papel do Estado 

O nome incomum da jornalista e pedagoga Keynayanna Kessia Costa Fortaleza, 33 anos, doutoranda em comunicação na USP, não foi um problema para ela. No entanto, mesmo gostando do nome, ela revela que já pensou em alterá-lo. “Foi uma criação do meu pai que não queria um nome comum. Meus pais são do interior e não queriam mais uma Maria, João ou Francisco. Nunca foi difícil, acho legal, só muito extenso. Por isso só me apresento como Key. Nunca sofri constrangimento as pessoas até hoje acham meu nome bonito e já pediram até permissão para botar nos filhos. Se eu pudesse mudaria, deixaria só Key”, comenta. 

Para a juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, indeferir o registro de nomes estranhos ou diferentes não se trata de intervenção do Estado na vida privada do sujeito, mas, sim, de pensar na proteção da criança. 

“Nesse momento o papel que o juiz faz é de tentar proteger essa criança, muitos pais ficam pensando: eu quero um nome diferente. E não medem consequência, às vezes, querem homenagear um ídolo, colocar o nome de personagem de série, existe uma série de fatores a serem considerados para indeferir o registro de um nome”, diz. 

Ela conta que todos os dias faz retificação de nomes e, segundo os relatos dos casos que chegam ao tribunal, o bullying com o nome começa na escola. “Cada um relata o sofrimento de uma vida, que na maioria das vezes, faz com que as pessoas adotem um outro nome, elas não querem aquele, elas adotam um nome semelhante”, diz. “Nome é para dar orgulho para a pessoa e não vergonha”, reflete. 

“O nome é um direito e um dever”, diz jurista 

Para o jurista Zeno Veloso, diretor nacional do IBDFAM, “o nome civil é um instituto dos mais importantes do Direito e em torno do mesmo apresentam-se interesses privados e públicos. O nome é um direito e um dever. A pessoa tem o direito de usar seu próprio nome, identificando-se por ele nas relações sociais e da vida, em geral. E tem o dever de usar o seu nome, e aqui aparece um interesse público”. 

Ele prossegue: “O nome designa o indivíduo, identifica-o. Aliás, é principal meio de sua identificação e de sua distinção com relação aos demais. O nome como que fica grudado na personalidade e acaba se confundindo com a mesma”. 

Zeno Veloso conclui: “A liberdade na indicação do prenome não vai ao extremo de escolher um que exponha ao ridículo seu portador, que o faça passar vexame, vergonha. O oficial pode recusar-se ao registro, não fazê-lo com aquele prenome (LRP, art. 55, parágrafo único), mas os pais podem discordar da recusa e, então, a questão será decidida pelo juiz. Não preciso alertar que o oficial deve ter muita cautela ao tomar a atitude de negar-se ao registro do prenome. Há muita subjetividade na avaliação e conclusão de que um prenome foi mal escolhido e pode levar o seu titular a constrangimentos”. 

Menos comuns 

A Central de Informações do Registro Civil – CRC Nacional, que é administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais – Arpen/BR, divulgou listagem inédita dos nomes menos comuns, aqueles que foram registrados somente uma vez, no ano de 2018, no Brasil. 

Assessoria de Comunicação do IBDFAM

Fonte: AASP